Viver num país muito distinto do nosso é exatamente aquilo que todo mundo imagina: "mudança de paradigmas", "inversão de estruturas", "flexão cultural", "variação de diálogos"... impossível fugir disso, um horror!!
A questão é saber se estamos – de fato e verdade – preparados para tantos giros em nossas vidas.
Bem, eu não estava. Devo confessar que, mesmo tendo sonhado por dois "infinitos" anos com essa viagem, eu não tinha a mais pálida ideia do que viveria por essas bandas catalãs.
Acostumada com a herança feudalista do meu país e com os mimos das minhas duas mães e irmã, jamais pensei que passaria tanto trabalho. E bota trabalho nisso!!! Aqui, somente os ricos contam com o luxo de "auxiliares", é uma verdadeira fortuna e nem mesmo a crise modificou os hábitos e valores dos europeus.
Lavo, passo, tiro o pó, rego plantinhas, dou comida para a bicharada... assobio e chupo cana ao mesmo tempo. Isso tudo com uma filha para criar, uma tese para escrever, milhões de filmes para assistir e minha vaidade para sustentar. Sim, porque me recuso a ter cara e unhas sem pintar, ainda que eu viva no meio do mato.
Creio que foi aí que começou meu primeiro grande impacto de intercâmbio: na vaidade. Cozinhar e lavar a louça todos os dias é o maior tormento na vida de uma mulher que faz sua manicure.
Gente, estou falando sério!
Inúmeras vezes saí campeando restaurantes da vizinhança só para não precisar dar conta de uma demanda absurda que a cozinha me impunha. Muitas noitadas com amigos eu dispensei na minha casa para não estragar o esmalte brilhante que tinia nas minhas garras recém compostas, diga-se de passagem, por mim mesma.
E, para meu agravo, simplesmente não consigo usar luvas sem quebrar pratos. Pensava nas delícias que podia preparar e, logo depois, tinha uma indigestão psicológica ao lembrar da "louçarama" para limpar e das unhas a estragar. Um trabalho cruel de construção e desconstrução que atinge a alma de qualquer desavisado garrido como eu.
Devo dizer que isso durou meses, até o dia em que minha amiga Montserrat me libertou. Cansada de ouvir minhas lamúrias de latino-americana pequeno-burguesa, me tascou esta pergunta: "¿Y por qué no comprar una lavavajillas?"
Naquela noite, mal dormi. Girava de um lado para o outro pensando em todos os meus preconceitos sobre o eletrodoméstico mais que difundido pelo mundo afora. E uma coisa não saía da minha cabeça: Por que não?
No outro dia, esperançoso e cheio de boas intenções, o Airton se foi comprar a tal salvação das minhas unhas e banquetes futuros.
Como de costume, fiz caras e bocas para a "novidade" e só me aquietei quando li na internet que era muito mais econômico e ecológico que usar a torneira.
Preparei a primeira lavagem e, pessimista e debochadamente, chamei a Montserrat, pois mal sabia ligar aquele trambolho. Ela chegou, me ensinou tudo e partiu com um riso professoral de quem conhece as pequenas agruras da vida. Mulher sábia, esta minha amiga!
Me deixou ali, no meio da cozinha, pensando, agitando minhas concepções, suscitando minhas ilusões. Mulher muito, muito sábia, esta minha amiga!
Abrir a máquina ao final do ciclo foi como abrir um “admirável mundo novo” naquele instante. Retirei o primeiro prato limpíssimo e seco de dentro da – agora – minha mais nova escudeira e inverti padrões, não só na cozinha, como em toda a minha vida familiar e social.
Preparo bolos, receitinhas antigas, molhos, feijoada, pão, sopa... ligo para as tias, mães e amigas pedindo ajuda e sigo... sigo pintando as unhas de "vermelho amora" ou "black rebú", com a alegria e o prazer que somente a extensão cálida e visível de um lar pode oferecer.
É incrível o que um simples aparato pode mudar na vida da gente, ou das gentes!!!!
Para quem aí pensou que iria ler um texto mais sensível, ou quem sabe maduro, aviso: Existem muitas perspectivas filosóficas num eletrodoméstico. Fica atento!
Ana Paula, pude muito bem me identificar com vc:))) tbem era muito mal acostumada no Brasil... aqui tbem tenho que fazer tudo, inclusive cozinhar que era uma coisa que odiava no Brasil... mas ainda bem que tbem tenho esta aliada, que por sinal eh tudo na minha vida, num instante a pia esta limpa e tudo dentro da lava-loucas... sem trabalho de lavar e secar depois...rsrsrsrs... acho que nao consigo mais viver sem ela... ela eh tudo na minha vida... assim que retornar ao Brasil, com certeza terei uma dessas na minha casa:))) ate mais... bjs... Thaisa
ResponderExcluirAdorei. Muito bom mesmo! A gente nunca sabe o que vai vir de ti!!!! mas o que vem, sempre vem fundamentado, contextualizado, minha filósofa preferida!!!!
ResponderExcluirolá... amei teu texto e me achei aí em 100%... desde que comprei minha "Crotilde" sou a mulher mais feliz do mundo... hehehe...
ResponderExcluirÉ isso aí minha prima linda! Perder a vaidade... NUNCA!!!!! Qdo comentou da cor das unhas em vermelho, já visualizei as tuas sempre bem pintadinhas e cuidadas. Que saudade de ti... Um forte abraço bem apertado!
ResponderExcluirE amei a imagem com a Rita! rsrsrsrs...