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Por Ana Paula Kwitko

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Para sempre é sempre por um triz



Os pesadelos são aqueles salteadores de sonhos que nos invadem à revelia despertando nossas dores privadas e medos dos mais pueris. Ainda que eu seja bastante previdente quanto a isso, invocando anjos guardiões e a Santa Rita - aquela que a judia da Paulina carregava para todo canto, lembra? -, há um ano atrás fui assaltada no breu silencioso da minha noite por um sonho mau e perturbador.
Pela manhã, angustiada e com o peito apertado, esperei por cinco intermináveis horas de um fuso que palpita meus sentidos, marcando o descompasso da vida e dos afetos distantes. Liguei para casa (até hoje me refiro à casa da nossa infância como se fosse a minha própria), preocupada com a mãe. Do outro lado do oceano, retrucando com voz clara e fala debochada, foste tu quem me aliviou.

- Cau é tu?
- Sim, sou o único da casa que se exercita. Sou levantador de telefone agora, não sabia?.
-E a mãe? Quero falar com ela.
-A mãe tá bem, Ana Paula. Ela teve uma "magoga", fez um fiasco e foi para o hospital. Acho que para não ter que cozinhar.
- E teu time hein?! Tá só fazendo fiasco.
-Cau, fala sério cara! Tive um sonho ruim, tô preocupada.
-Tu e as tuas coisas de mãe Diná! A mãe não vai morrer tão cedo... É!! Tu vai ver, ela ainda vai enterrar a gente.
-Deus te ouça.
- Mas e me diz uma coisa? Já foi no jogo do Barça?
-Pô guri, a ligação é internacional!!! Outra hora a gente se fala. Tchau.
-Tchau

Rindo como sempre, desligaste a última chamada das nossas vidas... Deus te ouviu... Bem como predisseste, em quatro dias, foi nossa mãe quem te velou.

A "outra hora" para nossa conversa nunca mais chegou...

Fui eu quem desmontou teu quarto. Foi uma aflição aquela tarefa derradeirameu irmão querido. O Nica acompanhou tudo ao meu lado, num silêncio perturbador de tristeza e carinho.
Gostaria que soubesses que foi lindo encontrar em tua carteira uma foto 3x4 da Julia. Também queria te dizer que fiquei com teus LPs da Rita Lee, Pink Floyd, Rolling Stones e John Lee Hooker, além do All Star preto, três camisetas (uma delas do AC/DC), todos Cds do Legião e o isqueiro que deixaste ao lado da tua cama. Herança de um tempo perdido que nunca me alivia.

Quando me aperta o peito e não tenho mais jeito de suportar, num ritual nervoso, acendo com teu isqueiro as velas que tanto te dava graça, e ouço as músicas que me ensinaste a gostar. Volta e meia, visto teu tênis e nos conduzo aos lugares que nunca verás.

Ao contrário do que todos dizem, para mim, parece que te foste há trinta anos e eu envelheci cada minuto deles. Além de ti, perdi 15 kilos, ganhei rugas, um cansaço e uma dor crônica na alma.

A saudade é uma fera que nos devora, Cau.  Ela se alimenta de lembranças, triturando vértebra por vértebra as nossas ilusões. Ela nos adoece e nenhum alucinógeno pode nos salvar. Nem mesmo o Rock alivia, como tanto apregoavas. 

Por favor, cuida da Janes para mim e não te irrita com os seus miados ensurdecedores. Leva ela para tua cama de nuvem e diz baixinho que um dia a gente se encontra. Sei que ela vai compreender.

Eu te amo


Imagem: Carlinhos e eu, em Santa Maria /1976.

3 comentários:

  1. Ai doce amiga. As perdas amargas vão nos colocando numa realidade dura e intransponível.! Celebremos a vida! A vida eterna! Te mando um abraço meu, cheio de saudade. Tu me faz muita falta!

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  2. Agora que olhei a foto, amiga!!!!Eram vocês ali? Tu de bico?Linda a foto. Nunca se esqueça que nossa amizade foi costurada pelos annjos!!!!!Te amoooo

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  3. Le, além do bico, tenho um gato no colo! Nós vivíamos rodeados de bichanos. Amo esta foto, o Cau está com a cabeça inclinada sobre a minha, num gesto de carinho tao lindo... Agora ficam as lembranças das lembranças, também é uma forma de se estar junto.
    E sobre nós, nunca esquecerei daquele momento que vimos que nosso encontro era um reencontro. Para estas mágicas vale a frase da "sagrada igreja": o que Deus uniu o homem nao separa!

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