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Por Ana Paula Kwitko

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Páginas de uma nação em construção - Por Gilberto Maringoni


Leiam A revista no Brasil do século XIX – A história da formação das publicações, do leitor da identidade do brasileiro. Leiam. Leiam! Toda recomendação é pouca. Trata-se de um formidável levantamento sobre o período pré-industrial de nossa imprensa. Seu desenvolvimento teve o condão de expressar as rápidas mudanças pelas quais passou a sociedade entre a Independência e os primeiros anos da República. O autor é Carlos Costa, um historiador que prefere ser chamado de jornalista, quando não está no papel de professor.

Todas as posições
Carlos Costa é homem da imprensa escrita, que jogou em quase todas as posições. Começou como revisor e copidesque – função hoje extinta – e tornou-se repórter, editor, chefe de sucursal e de escritório no exterior, sempre pela editora Abril. Colocou os pés numa redação aos 25 anos de idade, com algumas vantagens comparativas, expressão tão ao gosto dos economistas. A primeira era ser dono de vasta cultura, adquirida em duas faculdades, teologia e filosofia. A segunda foi uma invejável disciplina para o trabalho, resultado de anos de seminário, no Brasil e na Espanha. Se a Igreja perdeu um futuro padre, a imprensa ganhou um versátil profissional.
A terceira vantagem comparativa foi conquistada numa nova graduação – em jornalismo, na Cásper – e na copa e cozinha das publicações por onde perambulou.
As três marcas moldaram uma prosa fluente e elegante, capaz de fisgar o leitor no primeiro parágrafo. Não é algo desprezível. Celso Furtado, um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos, dizia que “a palavra é a expressão do pensamento organizado”. Texto claro e cativante nasce de idéias idem.
Não bastasse isso, seguidos anos em sala de aula e em programas de pesquisa revelaram outro talento de Carlos Costa. O de historiador meticuloso.

Grande reportagem
A revista no Brasil do século XIX revela o melhor desse viés. Carlos faz uma grande reportagem sobre uma atividade que enfrentou violências, censura, precariedades materiais, altos índices de analfabetismo, baixo poder aquisitivo da população e restrito mercado consumidor. Com método e rigor, o livro apresenta em cada capítulo uma linha do tempo, que se inicia em 1813, com O Patriota, “jornal literário, político e mercantil”, do Rio de Janeiro. Ela atravessa o século e termina em 1900, com A Revista da Semana, protótipo da moderna imprensa de variedades, a mesclar política, vida mundana e entretenimento em suas páginas. Nosso autor faz incursões pela fase áurea da imprensa de caricaturas, entre 1860 e 1890, examina publicações femininas, disseca os “Almanacks”, e mostra a evolução das técnicas de impressão, quando a atividade jornalística começa a se profissionalizar.
Mas não se trata de uma sucessão de nomes e títulos de veículos já desaparecidos. O livro ressalta que a evolução da imprensa vinculou-se desde o início à formação da nação. A sucessão de jornais, revistas e folhetos revela-se uma das expressões de uma identidade coletiva, com aspectos positivos e progressistas e também com faces preconceituosas e elitistas.
O Brasil do século XIX sofreu aceleradas transformações em períodos de tempo relativamente curtos. Começou como colônia, povoada por cerca de 3,24 milhões de
habitantes,  e terminou como República, com uma população de 17,37 milhões. Deixou de ser uma economia escravista e chegou ao capitalismo periférico, sem perder as marcas da desigualdade social e de exportador de matérias primas. É nesse meio que atividade de comunicação nasce, cresce e prospera.

Pouco explorado
Os estudos sistemáticos sobre a história da imprensa brasileira são relativamente recentes. Há alguns levantamentos realizados no início do século XX, em especial os de frei Pedro Sinzig sobre caricatura, escrito em 1911, e o de Afonso de Freitas, acerca da imprensa paulista, publicado em 1915. Depois desses, as grandes marcas foram a História da caricatura no Brasil, de Herman Lima (1963) e a Historia da imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré (1966). Os dois trabalhos consumiram mais de uma década de seus autores e são referência essencial até hoje.
A partir dos anos 1980, as pesquisas históricas sobre meios impressos e eletrônicos ganharam fôlego, juntamente com a disseminação dos programas de pós-graduação nas universidades. A imprensa deixou de ser fonte de apoio e ilustração para teses e dissertações e passou a ser ela mesmo objeto de estudo.
Mesmo assim, há um imenso campo a ser desbravado. O exame de publicações do século passado – quando a atividade de imprensa consolidou-se como empreendimento industrial– multiplicou-se em trabalhos acadêmicos, biografias, testemunhos, memórias e até romances. O século XIX, no entanto, tem uma cobertura bem menor.
É nesse universo que Carlos Costa optou por realizar um panorama detalhado. Uma contribuição expressiva para entendermos não apenas o que é a imprensa brasileira, mas sobretudo o que foi nossa evolução social nas primeiras décadas de vida independente. Leiam, leiam, leiam!!

Gilberto Maringoni[1] 

Serviço:
A revista no Brasil do século XIX – A história da formação das publicações, do leitor da identidade do brasileiro (Alameda Editorial, 458 páginas), de Carlos Costa


[1] Professor de Relações Internacionais da UFABC, ex-professor da Cásper Líbero e autor de ‘Angelo Agostini, impressões de uma viagem da Corte à Capital Federal (1864-1910)

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