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Por Ana Paula Kwitko

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cinecidade - Melancholia



Assistir o último filme de Lars Von Trier, Melancholia, foi, pelo menos para mim, desconfortável do princípio ao fim. O diretor apresenta um tema nada fácil de digerir e faz com maestria sua transloucada arte ao tratar da solidão. É um filme tão asfixiante quanto lúcido, tão cru, quanto profundo, capaz de gerar uma discussão que caminha do dramático para o filosófico num lampejar de angústia. Dividido em duas partes, narra primeiro a vida da triste Justine (Kirsten Dunst, de Maria Antonieta) durante sua interminável festa de casamento. Coberta com enfadonho vestido de noiva, a personagem vai revelando aos poucos a verdade infeliz que nos assola, “estamos sós”, e nada nem ninguém pode nos salvar disto. Tal como uma profetisa, anuncia o triste e cruel fardo humano arrastando um longo véu que parece pesar tanto quanto seus pensamentos sombrios. Justine sabe que as pessoas na Terra são más e este é o cerne de toda sua dor. Neste filme, Von Trier não só debocha da realidade, ele a desafia e inquieta o público com imagens perturbadoras e uma luz incrível. Em certas cenas apocalípticas, tive a nítida impressão que buscou inspiração no meu pintor preferido (preciso investigar isto), Hieronymus Bosch, tamanha explosão de sentimentos que desperta.
Na segunda parte, se conhece melhor Claire (Charlotte Gainsbourg, que fez A árvore), a irmã controladora, “ajustada” e “bem resolvida” de Justine que aos poucos vai se revelando frágil e infantil. É quando o diretor brinca com a inevitabilidade do fim, o planeta Melancholia vai se chocar com a Terra explodindo as mais antigas convicções de redenção e felicidade da raça humana. Não haverá vida depois da vida conforme pregou a religião e o medo. Não haverá nada além do nada, prenuncia Von Trier.
Hoje, ainda sob efeito do filme, tento ver com menos opacidade esta “prisão perpétua” que é a vida e que a Márcia Tiburi tão bem definiu no último Vinho Filosófico que organizei. Nosso mundo é imoral e a liberdade tem controle, é proibido falar mal de judeu (dizem os defensores maníacos pelo "politicamente correto"), mas permitido roubar a infância (como fazem os religiosos que empunham armas em nome de Deus). E este talvez seja o pior cárcere que nos condenou nossa sociedade perversa e covarde.
Enquanto preencho minha agenda com os rituais pueris de cada dia, fico pensando se de fato a melancolia é uma doença, ou uma saída para almas desavisadas e imaturas como a minha.

http://www.reservacultural.com.br/detalhe_filme.asp?id=4&filme=39

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